Desconto em Folha de Pagamento: aspectos de Direito Bancário e Direito Familiar

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Introdução

O pagamento é regulamentado pelo Código Civil, é um instituto que via de regra deve ser implementado direta e voluntariamente pelo devedor.

Mas existem exceções a essa regra: por exemplo, o constrangimento judicial que obriga o devedor a pagar o valor devido ao seu credor, substitui o ato voluntário do pagamento. Entretanto, não é disso que trataremos aqui.

Nós vamos abordar um tipo de pagamento que precisa da manifestação da vontade do devedor, e envolve terceiro que não tem relação direta com a obrigação assumida.

É o pagamento com desconto em folha salarial ou contracheque. É muito comum em casos de dívidas alimentares e empréstimos ou negócios bancários com pagamento em consignação.

Advogando na área familiar e cível na comarca de Maringá/PR há alguns anos, percebemos uma grande quantidade de pessoas que se utilizam desses serviços e que sempre buscam por esclarecimentos relativos a esse tema específico.

Portanto, passamos a organizar as ideias básicas dessa temática nesse artigo informativo, visando oferecer com alguma assertividade as necessárias informações aos leitores.

Direito Familiar

No Direito Familiar, quando existe relação de poder familiar ou mesmo de parentesco, é possível existir o direito de pleitear alimentos entre filhos(as) e ascendentes, e vice-e-versa, bem como entre cônjuges ou parentes que tenham uma dependência econômica comprovada.

Salientamos que os alimentos são disciplinados em maior parte pelo Código Civil e Código de Processo Civil, que por usa vez admite que seja feito pagamento dos alimentos por meio de desconto em folha salarial.

Segundo o art. 529, caput, do Código de Processo Civil, quando o executado for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa ou empregado sujeito à legislação do trabalho, o exequente poderá requerer o desconto em folha de pagamento da importância da prestação alimentícia.

Ao proferir a decisão, o juiz deve oficiar à autoridade, à empresa ou ao empregador, determinando, sob pena de crime de desobediência, o desconto a partir da primeira remuneração posterior do executado, a contar do protocolo do ofício.

O ofício expedido pelo juiz, deve conter o nome e o número de inscrição no CPF do exequente e do executado, a importância a ser descontada mensalmente, o tempo de sua duração e a conta na qual deve ser feito o depósito.

Ainda diz a Lei que, sem prejuízo do pagamento dos alimentos vincendos, o débito objeto de execução pode ser descontado dos rendimentos ou rendas do executado, de forma parcelada, nos termos do caput deste artigo, contanto que, somado à parcela devida, não ultrapasse 50% (cinquenta por cento) de seus ganhos líquidos do devedor.

Direito Bancário

Outro tipo de desconto em folha de pagamento, admitido pela legislação, é o desconto contraído pelo empregado para pagamento de operações financeiras contratadas de forma específica para essa finalidade.

Diz a Lei 10.820 de 2003 que os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT poderão autorizar o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível, contudo, essa autorização é feita de forma irrevogável e irretratável.

Esses descontos podem ser feitos para pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, somente quando previsto nos respectivos contratos.

A legislação dispõe que o desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil.

O limite de contratação dessas operações é de até 35% (trinta e cinco por cento), sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.

Quando cumpridos os requisitos, e contratado o serviço, é muito comum, seja ao empregado regido pela CLT, seja pelo servidor público, cada qual com sua legislação própria, a prática do desconto em folha, por empréstimos consignados.

Procedimento

No caso de desconto em folha por dívida alimentar, seja por acordo ou determinação judicial, a regra é que o desconto seja feito após expedição de ofício do juiz, autorizando ou obrigando o empregador a efetuar o desconto.

No caso de contração de empréstimos, o próprio empregado ou funcionário público celebra um negócio jurídico com a instituição financeira, e neste instrumento autoriza o desconto em folha, que por força de lei deve ser promovido diretamente pelo empregador.

Então essa informação é repassada à empresa, e por sua vez, ao setor contábil ou terceirizado responsável, que dentro do contratado, passa a efetuar os descontos, até quitação da dívida.

Limites da Margem Consignável

Dentro dos conceitos trazidos pela Lei 10.820/2003, são consideradas consignações voluntárias as autorizadas pelo empregado, isto é, as contratadas por este junto à instituição financeira.

No momento da contratação da operação, a autorização para a efetivação dos descontos permitidos na Lei observará, para cada mutuário, alguns limites.

Em suma, a soma dos descontos referidos no art. 1º não poderá exceder a 35% (trinta e cinco por cento) da remuneração disponível do empregado, conforme definido em regulamento.

Destes 35%, ao menos 5% (cinco por cento) serão destinados exclusivamente para a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou          a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito

A instituição financeira que proceder à retenção de valor superior ao limite estabelecido na Lei perderá todas as garantias que lhe são conferidas pela mesma.

Margem Consignável de Servidores Públicos do Estado do Paraná

A margem consignável dos servidores públicos do Paraná é um pouco diferente da regra geral, dos 35%, válida para toda iniciativa privada.

No Estado do Paraná, em relação aos servidores civis e militares, temos o regramento da Lei Estadual do Paraná n. 13740 de 24 de Julho de 2002, que traz suas peculiaridades em relação à Lei 10.820/2003, e por ser mais específica, derroga parcialmente alguns dos artigos da Lei Federal, em relação aos servidores do Estado.

Basicamente, a Legislação admite que o total das consignações facultativas e compulsórias do servidor público não poderá exceder a 70% (setenta por cento) da remuneração do servidor ativo, civil e militar, inativo e pensionista.

Desse limite de 70% (setenta), será reservado até 50% (cinquenta por cento) do vencimento percebido pelo servidor, acrescido de vantagens fixas deduzidos os descontos legais e compulsórios, destinadas às consignações facultativas, ou seja, àquelas consignações autorizadas pelos mesmos.

Nenhum consignante poderá receber quantia líquida inferior a 30 % (trinta por cento) da base de descontos.

Como se percebe, para servidores públicos do Estado do Paraná, o limite de margem consignável é um pouco maior do que a margem geral da iniciativa privada.

Entretanto, a lei estadual também traz uma curiosidade interessante sobre a ordem dos descontos. Os descontos compulsórios precedem os facultativos e ambos serão suspensos nos casos em que houver insuficiência de margem consignável, obedecida a classificação decrescente estabelecida nos artigos 1º e 2º da Lei Estadual do Paraná n. 13740 de 24 de Julho de 2002.

Dessa forma, caso haja por ventura excesso ao limite da margem consignável, é possível suspender o desconto compulsório, e para tanto será observada a regra da preferência decrescente dos art. 1º e 2º da Lei.

Dessa forma, vale dizer que quantias devidas em contribuição fixadas em favor da Fazenda Estadual ou Federal e da PARANAPREVIDÊNCIA tem preferência em relação à contribuição previdenciária; esta por sua vez tem preferência em relação à prêmio de seguro de vida compulsório em favor da PARANAPREVIDÊNCIA; e estes por sua vez tem preferência em relação à pensão alimentícia e outras quantias, em cumprimento a decisão judicial.

Por essa regra, qualquer desconto compulsório irá preceder aos descontos voluntários.

Em outras palavras, um desconto compulsório, por decisão judicial, de pagamento de alimentos de um servidor público em favor do filho menor, sempre terá preferência aos descontos compulsórios facultativos, como empréstimos, arrendamentos, entre outros, que são autorizados pelo funcionário.

Caso a margem consignável, por algum motivo seja ultrapassada, serão suspensos os pagamentos, de acordo com as preferências acima descritas.

Garantia do FGTS

A Lei ainda admite que a operação financeira contratada utilize uma garantia específica nesse tipo de contrato, que é o saldo de FGTS.

Desta feita, nessas operações de crédito consignado de que trata a Lei 10.820/2003, o empregado poderá oferecer em garantia, de forma irrevogável e irretratável, até 10% (dez por cento) do saldo de sua conta vinculada no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.

Também é permitido oferecer até 100% (cem por cento) do valor da multa paga pelo empregador, em caso de despedida sem justa causa ou de despedida por culpa recíproca ou força maior, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 18 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990.

A previsão acima se refere à famosa multa de 40% sobre o saldo do FGTS, em caso de demissão sem justa causa ou 20% sobre o FGTS em caso de demissão por acordo entre empregador e empregado.

A garantia acima só poderá ser acionada na ocorrência de demissão sem justa causa, inclusive a indireta, ou de demissão por culpa recíproca ou força maior, não se aplicando, em relação à referida garantia, o princípio da impenhorabilidade dos saldos de FGTS do trabalhador.

Ainda especifica a legislação que o Conselho Curador do FGTS poderá definir o número máximo de parcelas e a taxa máxima mensal de juros a ser cobrada pelas instituições consignatárias  nas operações de crédito consignado de que trata.

No caso, a Resolução do Conselho Curador do FGTS nº 827 de 2016 estabelece que quando utilizada a garantia do FGTS nesse tipo de contrato, a taxa de juros máxima não pode ser superior a 3,5% (três vírgula cinco por cento) ao mês e o número máximo de parcelas deverá ser de até 48 (quarenta e oito) meses.

Cabe ao agente operador do FGTS definir os procedimentos operacionais necessários à execução desses contratos com garantia específico do fundo em questão.

Obrigações do Empregador

A legislação que cria e regulamenta parte do empréstimo consignado também apresenta ao empregador várias obrigações decorrentes dessa contratação.

É dever do empregador prestar ao empregado e à instituição consignatária, mediante solicitação formal do primeiro, as informações necessárias para a contratação da operação de crédito ou arrendamento mercantil.

É também dever do empregador tornar disponíveis aos empregados, bem como às respectivas entidades sindicais que as solicitem, as informações referentes aos custos operacionais decorrentes da realização da operação da consignação.

É obrigação do empregador efetuar os descontos autorizados pelo empregado, inclusive sobre as verbas rescisórias, e repassar o valor à instituição consignatária na forma e no prazo previstos em regulamento.

É proibido ao empregador impor ao mutuário e à instituição consignatária escolhida pelo empregado qualquer condição que não esteja prevista na Lei 10.820/2003 ou em seu regulamento para a efetivação do contrato e a implementação dos descontos autorizados.

Observado o disposto em regulamento e nos casos nele admitidos, é facultado ao empregador descontar na folha de pagamento do mutuário os custos operacionais decorrentes da realização da operação objeto da consignação voluntária.

Cabe ao empregador informar, no demonstrativo de rendimentos do empregado, de forma discriminada, o valor do desconto mensal decorrente de cada operação de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil e os custos operacionais respectivos.

Regras Especiais

Caso o empregador tenha descontado do mutuário e não tenha sido repassado o valor devido à instituição consignatária, fica ela proibida de incluir o nome do mutuário (empregado) em cadastro de inadimplentes, como Serasa e SCPC ou cartório de protesto.

Na hipótese de ocorrência da situação descrita acima, é cabível o ajuizamento de ação de depósito, por parte do interessado, para pagar a dívida e posteriormente, em ação própria, é possível averiguar a responsabilidade civil das partes.

Os descontos autorizados na forma da legislação do empréstimo consignado e seu regulamento terão preferência sobre outros descontos da mesma natureza que venham a ser autorizados posteriormente.

Por derradeiro, é responsável solidário, o empregador pelo pagamento dos empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e arrendamentos mercantis concedidos aos seus empregados, por valores devidos à consignatária e por sua falha ou culpa, deixarem de ser retidos ou repassados, salvo disposição contratual em contrário.

Caso o empregador tenha descontado do mutuário e não tenha sido repassado o valor devido à instituição consignatária, fica ela proibida de incluir o nome do mutuário (empregado) em cadastro de inadimplentes, como Serasa e SCPC ou cartório de protesto.

Na hipótese de ocorrência da situação descrita acima, é cabível o ajuizamento de ação de depósito, por parte do interessado, para pagar a dívida e posteriormente, em ação própria, é possível averiguar a responsabilidade civil das partes.

No caso de falência do empregador, antes do repasse das importâncias descontadas dos mutuários, fica assegurado à instituição consignatária o direito de pedir, na forma prevista em lei, a restituição das importâncias retidas.

Considerações Finais

Esperamos que as informações acima tenham auxiliado o leitor na compreensão básica do empréstimo consignado, nos aspectos práticos e técnicos.

É de muita valia saber exatamente a forma como é feito o empréstimo consignado, e regras específicas, como limites consignáveis, possibilidade de garantia por meio do FGTS, taxas de juros permitidas, entre outros.

Caso tenham ainda mais dúvidas sobre o assunto, é importante estar consultando um advogado de confiança, para obter maiores esclarecimentos sobre o tema.

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