Negócios Jurídicos Processuais nas Relações de Consumo

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A proposta do presente artigo tem como objeto a análise sobre a possibilidade de celebração dos negócios jurídicos processuais e os limites da autonomia privada à luz do Código de Processo Civil de 2015 e do Código de Defesa do Consumidor.

Em 2015, entrou em vigor o Novo Código de Processo Civil, que, inovando, trouxe a possibilidade de as partes plenamente capazes, desde que se tratem de direitos que admitam a autocomposição, celebrarem negócios jurídicos processuais acerca de seus ônus, poderes faculdades e deveres processuais para ajustá-lo às especificidades da causa, antes ou durante o processo (cf. art. 190 do CPC).

Todavia, a liberdade das partes de realizarem as convenções processuais não é ilimitada, visto que o juiz controlará a validade dos negócios processuais, recusando-lhes a aplicação nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade (cf. art. 190, parágrafo único, do CPC).

Neste contexto, surge a necessidade de investigar se há a possibilidade de realização de referidos negócios jurídicos processuais em casos que versem sobre relação de consumo.

Pode-se conceituar negócio jurídico processual como fato jurídico voluntário, em cujo suporte fático se reconhece ao sujeito o poder de regular, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais ou alterar o procedimento. (DIDIER JR, 2012, p. 59-60).

Assim, ao menos em tese, preenchidos os requisitos autorizadores para a realização do negócio jurídico processual, previsto no art. 190, caput, do Código de Processo Civil de 2015, quais sejam, versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição; partes plenamente capazes; convenção sobre os ônus, poderes, faculdades e deveres processuais relativos as próprias partes, é lícito que elas estipulem mudanças no procedimento a fim de ajustá-lo as especificidades da causa.

Todavia, o parágrafo único do mesmo dispositivo legal, limitando a liberdade das partes de transacionarem sobre as regras processuais, dispõe que:

“De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade”.

Da leitura de referido dispositivo legal, o que se questiona é se há a possibilidade ou não da realização de negócios jurídicos processuais no âmbito das relações de consumo.

Para Flávio Tartuce, bem como para uma forte corrente doutrinária existe uma presunção absoluta ou iure et de iure de vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo, conclusão extraída da dicção do art. 4º, inc. I, do Código de Defesa do Consumidor. Para esta corrente, é certo que a vulnerabilidade é elemento posto da relação de consumo, ou seja, todo consumidor é vulnerável, sem exceção. Em outras palavras, trata-se de um conceito jurídico que não aceita declinação ou objeção, sendo fixado previamente, sem qualquer análise casuística (TARTUCE, 2018, “online”).

Assim, para parte da doutrina, o legislador foi bastante claro na impossibilidade da celebração de negócios jurídicos processuais nas causas relativas a consumo, na medida em que a parte final do parágrafo único diz expressamente que o juiz deve recusar aplicação nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou no caso de uma das partes se encontrar em manifesta situação de vulnerabilidade (CRUZ e TUCCI, 2018, p. 337).

Em contra partida, há uma parcela da doutrina que admite a possibilidade da realização de negócios processuais em situações que envolvam relação de consumo.

Para Fernando da Fonseca Gajardoni, por exemplo, não há nulidade automática das convenções processuais celebradas nos contratos do consumo, inclusive em vista da regra geral do sistema processual de que não se decretará nulidade sem prejuízo (art. 277 do CPC). Cabe ao juiz, na análise do caso concreto verificar a real situação de vulnerabilidade do consumidor e, somente se for constatado o vício na celebração e o prejuízo é que a convenção processual constante do contrato de consumo deixará de ser aplicada (GAJARDONI, 2018, “online”).

No mesmo sentido para Fredie de Didier Jr., nada impede, em tese, a celebração de negócios processuais no contexto do processo consumerista, devendo a vulnerabilidade ser constatada in concreto. Não por acaso o parágrafo único do art. 190 diz que o órgão jurisdicional somente reputará nulo o negócio quando se constatar a “manifesta situação de vulnerabilidade” (DIDIER JR., 2017, p. 436-437).

Desse modo, havendo informação adequada, livre manifestação de vontade e atendimento a função social do contrato, manifestada no caso específico como preservação do justo processo, não há porque se negar a possibilidade de o consumidor, ainda que considerado por muitos como vulnerável, realizar negócio jurídico processual (ANDREASSA JÚNIOR; GOMES, 2018, “online”).

Assim, por se tratar de tema relativamente novo no nosso ordenamento pátrio, não há uma posição consolidada sobre o assunto.

Entende-se, contudo, que afastar a possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais do âmbito da relação de consumo pura e simplesmente, pode, inclusive, prejudicar o próprio consumidor, visto que muitas vezes o negócio processual poderá ser vantajoso para ele.

Porém, a celebração de negócios jurídicos em relações consumeristas, assim como em relações estritamente privadas, deve ser controlada pelo juiz que deverá, nos termos do parágrafo único do art. 190 do Código de Processo Civil, constatada a manifesta situação de vulnerabilidade ou a inclusão abusiva em contrato de adesão, declarar a sua nulidade.

Referências:

BRASIL. Código de Processo Civil. Brasília, 2015. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 14 jan. 2019.

ANDREASSA JÚNIOR, Gilberto; GOMES, Frederico Augusto. Convenções processuais nas relações de consumo: Impossibilidade ou compatibilidade?. Disponível em <

Convenções processuais nas relações de consumo
>. Acesso em 14 fev. 2019.

CRUZ e TUCCI, José Rogério (Org.). Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: AASP, 2018.

DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA. Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. 2ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012.

DIDIER JR., Fredie; Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. 19ª ed. Salvador: JusPodivm 2017, v.1.

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Negócio jurídico processual em contratos de consumo: possibilidade. Disponível em < http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/negocio-juridico-processual-em-contratos-de-consumo-possibilidade/18035 >. Acesso em 13 fev. 2019.

TARTUCE, Flávio. Negócio jurídico processual em contrato de consumo. Disponível em <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/533954493/negocio-juridico-processual-em-contrato-de-consumo >. Acesso em 13 fev. 2019.

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