Organizando o Divórcio: o Aspecto Pessoal (Parte 3)

Tempo de leitura: 8 minutos

Introdução

Partindo para a conclusão, este é o último texto da nossa série sobre o divórcio, tratando sobre os aspectos pessoais com o fim do casamento.

Novamente, para reiterar, dividimos o estudo do divórcio em três aspectos:

  1. Aspecto procedimental: como vai ser feito o divórcio? (já estudado na parte 1)
  2. Aspecto patrimonial: como fica o nosso patrimônio e a pensão alimentícia no divórcio? (já estudado na parte 2)
  3. Aspecto pessoal: como ficam os nossos filhos e nossos nomes no divórcio?

Nos dois primeiros textos tratamos sobre assuntos de índole protocolar, patrimonial, mecânica, sempre procurando responder ao questionamento “como nós, casal, vamos nos divorciar?”.

O enfoque nos dois primeiros textos é a ruptura do casal, a divisão do patrimônio.

No entanto, quando tratamos sobre os aspectos pessoais do divórcio, nós mudamos nosso enfoque. O foco da discussão deixa de ser os adultos e passa a ser os filhos do casal. Tudo será analisado, portanto, sob a ótica daquilo que é melhor para a criança.

O aspecto pessoal do Divórcio: Guarda e Visitas

E o que vai ser analisado sob esse ponto de vista? A guarda e o direito de visitas. Além do nome dos (ex)cônjuges, são esses os temas afetos ao aspecto pessoal do divórcio.

Portanto, neste momento, tudo será analisado à luz do princípio do melhor interesse da criança, princípio com previsão expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.
Parágrafo único.  São também princípios que regem a aplicação das medidas:
(…)
IV – interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;

Tendo em mira que é o interesse da criança que deve ser preservado neste momento, passamos ao estudo um pouco mais detalhado de cada um dos institutos.

A guarda dos filhos

Conceito de guarda

A lei civil não define o que é guarda, contudo, em interpretação sistemática do Código Civil, Estatuto da Criança e do Adolescente e da Constituição Federal de 1988, em conjunto com reiteradas decisões de nossos tribunais, pode-se concluir que o guardião é o responsável por promover o sustento e a educação da criança, assegurando a efetivação de seus direitos e formação de sua personalidade, garantindo-lhe seu desenvolvimento físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade, com todo o amor, carinho e zelo inerentes à relação entre pai/mãe e filho.

Em resumo, o guardião é o responsável pela criação do infante. O responsável pelo desenvolvimento físico e psicossocial da criança.

A lei brasileira adota, em princípio, duas modalidades de guarda: (i) compartilhada e (ii) unilateral.

Como o nome já dá a entender, na guarda compartilhada, ambos os genitores exercem o papel de guardião. Na unilateral, somente um deles.

Art. 1.583.  A guarda será unilateral ou compartilhada.

§ 1o  Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.

No sistema jurídico brasileiro, a regra é que a guarda seja compartilhada, sendo a guarda unilateral concedida quando os genitores concordarem sobre sua aplicação ou quando o juiz verificar que a compartilhada não atende aos interesses dos filhos.

Ressalto que não há impeditivo legal para que a guarda da criança seja concedida a terceiro (tio, tia, avós), desde que a medida preserve os interesses da criança.

E quando não há consenso entre os pais a respeito da guarda dos filhos?

E se, por exemplo, o pai quiser a compartilhada e a mãe a unilateral? Como resolvemos?

Havendo fracasso no diálogo entre os genitores, cabe ao Poder Judiciário decidir quem tem melhores condições de ser o guardião. À toda evidência, a decisão será centrada no melhor interesse da criança e do adolescente, prevalecendo sobre quaisquer ponderações de natureza pessoal ou sentimental dos pais.

Na lição de Rodrigo da Cunha Pereira:

O termômetro que melhor servirá de avaliação é a medida do afeto, isto é, o zelo, o cuidado, a dedicação e o serviço dedicado aos filhos.

O direito de visitas

Já o direito de visitas está regulamentado no art. 1.589 do Código Civil, em que se lê:

Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.

Somente para esclarecer, aquele que não deter a guarda do filho tem garantido para si o direito de ter o filho em sua companhia e fiscalizar sua criação e educação.

Apesar do texto legal não deixar claro, o direito de visitas não é um direito somente do genitor, mas, também, um direito da própria criança. É uma via de mão dupla. Da mesma forma que o pai tem o direito de gozar da companhia do filho, o filho tem o direito de gozar da companhia do pai.

Então, é errônea (moral e juridicamente) a conduta de mulheres que utilizam o filho como instrumento de poder e de chantagem, adotando o discurso, por exemplo, “já que você não pagou a pensão esse mês, não vai ver a criança”.

Ora, é direito da criança manter os laços afetivos com ambos os pais, em que pese o rompimento do relacionamento entre o casal. Privar a criança do convívio com o pai é prejudicar sua formação psicossocial, caracterizando, ainda, grave ato de alienação parental.

Tendo em vista que o interesse a ser preservado é o dos filhos, as visitas devem ser fixadas de acordo com o que é melhor para eles, mantendo a sua rotina, sem desorganizar seu tempo e seu espaço – tudo independentemente dos interesses pessoais e conveniência dos pais.

Da mesma forma que a guarda, não havendo concordância entre os pais sobre os dias e horários para exercício do direito de visitas, a decisão caberá ao juiz da causa.

Do nome dos ex-cônjuges

O último assunto a ser tratado é o nome dos cônjuges, se optarão por manter o nome de casado ou se voltarão a utilizar o nome de solteiro. Com efeito, é o que prevê o Código Civil:

Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:
(…)
§ 2o Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial.

Sendo o nome elemento identificador do indivíduo na sociedade e, portanto, direito personalíssimo, cabe a cada um decidir sobre o próprio nome, sendo vedado que um dos cônjuges proíba que o outro utilize o nome de casado ou exija que continue utilizando.

Já há muito se deixou de falar em culpado pelo fim do casamento. Não existe mais a perquirição do responsável pelo fim do relacionamento, sendo discussão improdutiva na demanda judicial e deveras constrangedora.

Nesse sentido, não há que se falar na aplicação da penalidade prevista no art. 1.578 do Código Civil, que consiste na perda do direito de utilizar o nome de casado pelo cônjuge declarado culpado.

Resumo da série de textos sobre o Divórcio

Com esse texto, terminamos nosso ciclo de explicações sobre o divórcio na esfera jurídica do indivíduo.

Na primeira parte tratamos sobre o procedimento adequado para a realização do divórcio, se pode ser feito em cartório ou se depende de demanda judicial.

Na segunda parte, sobre a questão patrimonial do divórcio: a partilha de bens e a necessidade de fixação de pensão alimentícia.

Na terceira e última parte, sobre os aspectos pessoais do fim do relacionamento afetivo, sobretudo na salvaguarda dos direitos das crianças e adolescentes fruto desse relacionamento.

Em caso de dúvidas, recomenda-se consultar um advogado familiar, especialista no assunto.

Conclusão

Como já é cediço, afeto não se exige, afeto não se impõe. O afeto surge e se mantém pela relação diária entre os indivíduos, ainda que comezinhas e efêmeras. Inexistindo o afeto, após a decisão livre e consciente do casal, é necessário dialogar sobre o divórcio sem tabus, sem constrangimentos.

A escolha pelo divórcio, apesar de dolorosa, constitui importante momento de crise e de elaboração de luto pelos cônjuges. Para que cada um possa seguir com sua vida, é necessário libertar-se emocionalmente e recuperar sua individualidade, permitindo-lhe seguir em frente sozinho.

Por fim, nos dizeres do escritor moçambicano Mia Couto:

A vida é demasiado preciosa para ser esbanjada num mundo desencantado.

3 Comentários

  1. Avatar

    Muito , bom o texto bem explicado deu para tirar algumas duvidas , obrigada.

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  2. Avatar

    A construção do texto realizada em três partes facilitou a compreensão sobre o processo do divórcio na esfera jurídica e elucidou as explicações sobre o assunto.
    Penso que é bastante importante conhecer os pontos principais acerca do tema sob a ótica de um profissional da área e, consequentemente, entender que, mesmo sendo uma abordagem geral, o autor deixa explícito que cada caso tem suas particularidades e necessita de análises cuidadosas para ser realizado do melhor modo. Parabéns pelo texto!

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