Os Princípios Norteadores do Sistema de Medidas Cautelares Pessoais

Tempo de leitura: 14 minutos

Introdução

O presente texto deste blog jurídico do escritório Romagnolo & Zampieri Advogados Associados visa abordar aspectos principiológicos do sistema de medidas cautelares pessoais.

Medidas cautelares pessoais

Primeiramente, as medidas cautelares pessoais – aqui abarcadas, principalmente, as prisões preventiva e temporária, bem como as medidas cautelares diversas da prisão, como a monitoração eletrônica, por exemplo – são instrumentos jurídicos de aplicação excepcional no Direito Processual Penal Brasileiro

Assim, tais medidas são aplicadas tanto na fase policial como judicial, em desfavor do investigado/acusado; são medidas que, se cumpridas as regras estabelecidas pela Constituição Federal, Código de Processo Penal e Leis Extravagantes, constrangem e/ou condicionam a liberdade daqueles no curso da persecução criminal.

Segundo Rogério Schietti Cruz, Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em aula ministrada no âmbito da pós-graduação em Direito Processual Penal do Damásio Educacional, no corrente ano, alguns princípios fundamentais perfazem tais regramentos, e devem ser observados quando da aplicação dessas medidas cautelares pessoais, sobretudo, referente às prisões, os abaixo relacionados.

Princípios Norteadores do Sistema de Medidas Cautelares Pessoais

i) Dignidade da Pessoa Humana;

ii) Presunção de Inocência;

iii) Excepcionalidade;

iv) Proteção Penal Eficiente;

v) Jurisdicionalidade e Legalidade;

vi) Provisoriedade;

vii) Proporcionalidade, sendo subdivido em 3 (três) espécies:

a) Adequação;

b) Necessidade; e

c) Proporcionalidade em Sentido Estrito;

viii) Duração Razoável do Processo;

ix) Bilateralidade da Audiência;

x) Motivação.

A seguir, em resumo, explicamos acerca desses princípios:

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

O art. 1º da Constituição Federal estabelece que:

a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […] III – a dignidade da pessoa humana.

Além disso, o art. 1º da Declaração Universal de Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1.948, prevê que:

todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é elementar no Direito Brasileiro, irradiando-se, portanto, em todas as normas do ordenamento jurídico pátrio.

Princípio da Presunção de Inocência no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Outro princípio não menos importante é o da Presunção de Inocência ou de Não-Culpabilidade. Presume-se que toda pessoa é inocente, isto é, não será considerada culpada, até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Segundo o art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal:

ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Princípio da Presunção de Inocência nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos

Além de previsão expressa no ordenamento brasileiro, também, o princípio da Presunção de Inocência está previsto em diversos tratados internacionais de direitos humanos. Veja-se:

Declaração Universal dos Direitos Humanos

Segundo o art. 11 – 1. Da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948:

toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.

Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades

A Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais de 1950, em seu art. 6º, prevê que:

Art. 6° Direito a um processo equitativo – 2. Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada).

Convenção Americana Sobre Direitos Humanos

A Convenção Americana Sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica – do ano de 1969, em seu art. 8º, prevê que:

Art. 8º Garantias judiciais –  […] 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.

Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1976, em seu art. 14, prevê que:

Art.14 – […] §2. Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.

Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos

A Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos do ano de 1981, em seu art. 7º, garante que:

Art. 7.º – 1. Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja apreciada. Esse direito compreende: […] b) O direito de presunção de inocência, até que a sua culpabilidade seja estabelecida por um tribunal competente.

Declaração Islâmica dos Direitos Humanos

Segundo a Declaração Islâmica dos Direitos Humanos de 1981:

V – Direito a Julgamento Justo, a. Ninguém será considerado culpado de ofensa e sujeito à punição, exceto após a prova de sua culpa perante um tribunal jurídico independente.

Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia do ano de 2000, em seu art. 48, aduz que:

Art. 48 – Presunção de inocência e direitos de defesa – 1. Todo o arguido se presume inocente enquanto não tiver sido legalmente provada a sua culpa.

Portanto, trata-se de um princípio constitucional e universal que deve ser aplicado no processo penal.

Princípio da Excepcionalidade

O Princípio da Excepcionalidade também tem salutar importância. Segundo o art. 5º, inciso LXVI, da Constituição Federal:

ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.

Segundo as ‘Regras de Tóquio’, formuladas pelo Instituto da Ásia e do Extremo Oriente para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente no ano de 1986, cujo projeto foi aprovado no ano de 1990 pela Assembleia Geral das Nações Unidas (8º Congresso), integrando a Resolução sob o n.º 45/110, oficialmente denominadas ‘Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade’, com o objetivo de incentivar a adoção, pelos Estados-membros, de meios mais eficazes que o cárcere para prevenir a criminalidade e melhorar o tratamento dos encarcerados, dispõe em seu artigo 6.1 que:

6. A prisão preventiva como medida de último recurso – 6.1 – a prisão preventiva deve ser uma medida de último recurso nos procedimentos penais, tendo devidamente em conta o inquérito sobre a presumível infração e a proteção da sociedade e da vítima

Por fim, segundo o art. 282 do Código de processo Penal:

as medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:  […] § 6o  A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).      

Assim, como já informado, as medidas cautelares pessoais tem aplicabilidade excepcional no processo penal.

Princípio da Proteção Penal Eficiente

Com base neste princípio, será tanto ilegítima a omissão estatal do dever de proteção da sociedade por atuação insuficiente dos seus órgãos repressivos quanto o excesso eventualmente cometido em desfavor do imputado, ao argumento de ser devida a proteção penal efetiva de toda a coletividade.

Princípio da Jurisdicionalidade e Legalidade

O Príncípio da Jurisdicionalidade e Legalidade tem guarida no art. 5º, inciso LXI, da Constituição Federal de 1.988, cuja norma prevê que:

ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.

Ademais, o art. 283 do Código de Processo Penal dispõe que:

ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

É importante mencionar que tal princípio está melhor explanado no item “IV- b)” do presente artigo. 

Princípio da Provisoriedade

De acordo com a jurisprudência pátria, o Princípio da Provisoriedade dispõe que qualquer prisão cautelar tem caráter rebus sic stantibus, isto é, está sempre sujeita à nova verificação de seu cabimento, quer para eventual revogação, quando cessada a causa ou motivo que a justificou, quer para sua substituição por medida menos gravosa, na hipótese em que seja esta última igualmente idônea para alcançar o mesmo objetivo daquela.

Segundo o art. 316 do Código de Processo Penal:

o juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Ainda, de acordo com o art. 387, § 1º, do Código de Processo Penal:

o juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta.

Por fim, conforme o art. 413, § 3º, do Código de Processo Penal:

o juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código.

Do Princípio da Proporcionalidade

Segundo a jurisprudência brasileira, o Princípio da Proporcionalidade está subdividido em 3 (três) espécies, quais sejam:

Em primeiro lugar, a Adequação, isto é, uma medida cautelar qualquer somente se legitima quando seja capaz de produzir o resultado esperado, isto é, quando mostrar-se eficaz, adequada, idônea para proteger o direito que se encontra ameaçado na situação concreta.

Em segundo, a Necessidade, vez que uma medida será então exigível ou necessária quando não for possível outro meio igualmente eficaz, mas menos ‘coativo’, relativamente aos direitos restringidos.

Bem como, a Proporcionalidade em Sentido Estrito, pois somente se mostrará legítima a prisão cautelar quando o sacrifício da liberdade do investigado ou acusado for razoável (ante os juízos de idoneidade e necessidade da cautela) e proporcional (em termos comparativos) à gravidade do crime e às respectivas sanções que previsivelmente venham a ser impostas ao sujeito passivo da medida (homogeneidade).

Princípio da Duração Razoável do Processo

O Princípio da Duração Razoável do Processo está previsto no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988, o qual garante que:

a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

A Convenção Americana Sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica – do ano de 1969, em seu art. 7º – 5, prevê que:

toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

Por fim, vale mencionar que a Corte Europeia de Direitos Humanos observa os seguintes critérios para aferir a razoabilidade ou irrazoabilidade do prazo de duração do processo e, com maior razão, da cautela pessoal:

a) as circunstâncias particulares de cada caso e a complexidade do litígio;

b) a conduta processual das partes ou, mais proximamente, do acusado; e

c) a conduta das autoridades responsáveis pela condução do processo, sejam elas administrativas ou judiciais.

Princípio da Bilateralidade da Audiência

O Princípio da Bilateralidade da Audiência, conforme aduz o art. 282, § 3º, do Código de Processo Penal:

Art. 282. […] 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.

Da leitura deste princípio verifica-se que a participação do defensor, ou seja, do advogado criminalista, é fundamental no processo de análise da aplicação das medidas cautelares pessoais, notadamente as prisões preventivas e temporárias, devendo o julgador ponderar os argumentos explanados pelo defensor, sejam aqueles proferidos em sede de audiência de custódia ou nos autos do processo penal.

Princípio da Motivação

O Princípio da Motivação está previsto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal de 1988, aduzindo que:

todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade […]

O Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei n.º 12.403/11, estabelece, também, o Princípio da Motivação:

Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada.

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

I – relaxar a prisão ilegal; ou

II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

Princípio da Motivação no Código de Processo Civil

O Código de Processo Civil de 2015, de aplicação supletiva e subsidiária à seara processual penal, em seu art. 489, § 1º, estabelece o Princípio da Motivação:

Art. 489, § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Conclusão

Assim, de forma não exaustiva, temos os elementares princípios que norteiam os julgadores na aplicação das medidas cautelares pessoais no Direito Processual Penal Brasileiro.

Em suma, havendo dúvidas acerca do conteúdo proposto, principalmente sobre prisões cautelares, é importante consultar um advogado criminalista, especialista da área.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *