Impugnação só no Protocolo? De Jeito Nenhum!

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O edital de licitação traz consigo os anseios da Administração Pública, o que necessita adquirir ou contratar para atender o interesse público e a população ou serviço público por ela assistido. Ocorre que em determinadas ocasiões este importante documento, que dita às regras do certame público, está repleto de omissões que dificultam a elaboração das propostas pelos interessados em participar da licitação ou simplesmente está abarrotado de vícios e defeitos que fulminam a competitividade da licitação.

Muito embora a Administração Pública tenha a liberdade de acrescentar em seu edital o que lhe convém, quaisquer irregularidades ou ilegalidades devem ser afastadas de ofício quando constatado, ou por meio da impugnação ao instrumento convocatório. Geralmente o edital reserva um tópico específico para este tema, informando os prazos e forma de impugnação. Em outras ocasiões, seja pelo ego do Poder Público ou pela imperícia deste, sequer é previsto a forma de impugnar.

Neste cenário, ainda que prevista no edital da licitação ou carta-convite, temos que nos socorrer às disposições acerca da impugnação na Lei de Licitações, para evitar quaisquer incertezas:

Art. 41.  A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada.

(…)

§ 2o  Decairá do direito de impugnar os termos do edital de licitação perante a administração o licitante que não o fizer até o segundo dia útil que anteceder a abertura dos envelopes de habilitação em concorrência, a abertura dos envelopes com as propostas em convite, tomada de preços ou concurso, ou a realização de leilão, as falhas ou irregularidades que viciariam esse edital, hipótese em que tal comunicação não terá efeito de recurso.              

§ 3o  A impugnação feita tempestivamente pelo licitante não o impedirá de participar do processo licitatório até o trânsito em julgado da decisão a ela pertinente.

É possível verificar na legislação transcrita que esta não determinou quais as formas de protocolo da impugnação, cabendo a cada edital de licitação descrever como se dará na prática tal ato. Ocorre que em diversos editais nos deparamos com cláusulas que delimitam que todas as impugnações serão recebidas somente no protocolo geral do Órgão, ou seja, de forma presencial.

Deste modo, todas as empresas interessadas devem se deslocar até a sede do órgão que pode estar a centenas de quilômetros ou até outro Estado, gerando um custo descomunal ou ainda um desperdício do tempo precioso por parte dos empresários licitantes, o que acaba inviabilizando qualquer questionamento ao edital.

A impugnação na forma de protocolo escrito na sede do Município possui como objetivo primordial o afastamento de qualquer questionamento aos editais de licitação, conduta que por si só é altamente reprovável, pois inviabiliza o controle da legalidade e observância aos princípios que regem o procedimento licitatório pela Administração Pública.

Neste seguimento o Tribunal de Contas do Estado do Paraná homologou por intermédio do Acórdão 1.141/2018, o despacho 449/2018, em virtude da irregularidade constatada em edital do Município de Curiúva que limitava o protocolo das impugnações apenas por escrito, veja-se:

REPRESENTAÇÃO DA LEI 8.666/93

Da análise, ainda que perfunctória, do item 18.2, conclui-se que, a uma, o Edital restringe a prerrogativa dos interessados na licitação à impugnação por meio único, qual seja, através de correspondência a ser encaminhada a sede da Prefeitura Municipal de Curiúva.

2. A formulação da exigência restritiva se mostra, em análise sumária, descabida, não se mostrando condizente com a realidade vivenciada pelos órgãos públicos. Incontroverso me parece que o fato de uma pequena empresa interessada em participar do certame, e que não seja sediada no Município, seja onerada com o deslocamento que se faz necessário para cumprimento da exigência editalícia. É o que se pode concluir da argumentação da empresa ora Representante, a qual aduz estar sediada a cerca de 130 km de distância do Município de Curiúva. Neste contexto, reputo necessário o deferimento do pedido cautelar também neste ponto, diante da possível violação de princípio licitatório, eis que a exigência pode ensejar restrição à competitividade do certame.

Tribunal de Contas do Paraná. Acórdão n. 1.141/2018, Processo: 316158/18, Tribunal Pleno, Relator: Fernando Augusto Mello Guimarães. Curitiba, PR, 10 de Maio de 2018. Grifamos.

A mesma linha de raciocínio é consolidada no âmbito do Tribunal de Contas da União, que determina a inclusão, no seio dos editais de licitação, de endereço eletrônico para envio de eventuais impugnações:

REPRESENTAÇÃO COM PEDIDO DE CAUTELAR ACERCA DE POSSÍVEIS IRREGULARIDADES EM LICITAÇÃO.

1. Deve constar nos instrumentos convocatórios das licitações instituídas sob a modalidade pregão eletrônico o endereço eletrônico para envio de eventuais impugnações e pedidos de esclarecimentos referentes aos editais, em atenção ao que estabelece os arts. 18 e 19 do Decreto n. 5.450/2005.

Tribunal de Contas da União. Acórdão n. 2.632/2008, Processo 025.030/2008-5, Plenário, Relator: Marcos Bemquerer. Brasília, DF, 19 de Novembro de 2008. Grifamos.

Desta forma, por se constituir genuína cláusula capaz de comprometer a competição do certame, uma vez que limita qualquer inquisição às suas regras pré-estabelecidas, qualquer cláusula que delimite a impugnação presencial, sem indicar qualquer outro meio eletrônico, destacadamente o e-mail ou site oficial do órgão, restringe severamente o caráter competitivo do certame e macula o artigo 3º da Lei de Licitações.

Neste horizonte, a Administração Pública deve retirar de seus editais tais irregularidades, a fim de preservar a legalidade de seus procedimentos licitatórios e atender as orientações vigentes dos tribunais de Contas.

Impugnar qualquer edital de licitação é sempre um momento bem delicado tanto para quem deseja participar quanto para o Poder Público. Significa questionar o trabalho do servidor público, os anseios inclusive da Administração Pública. Contudo, é oportunidade de corrigir o que está irregular ou ainda esclarecer o que está omisso, representante verdadeiro exercício de cidadania e transparência.

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